sábado, 30 de julho de 2011

Ao terceiro sinal serão duas horas zero minutos e zero segundos

Agora deu-me para ter insónias. Nos dias que tenho tido-férias-a coisa acaba por não me preocupar por aí além.
Escrever a esta hora é giro por diversas razões. Apercebo-me que escrevo para mim.Mais do que acontecia anteriormente no "a minha vida é uma festa".
Como não existem seguidores nem nada que se pareça, acaba por ser um diário a que recorro quando me apetece.
Nunca pensei que ganhar esta rotina quase diária fosse tão importante.E sadia para o meu espírito.É uma sauna para a alma.
Ouço o mar por entre o som das teclas a martelar.Faz um contraste giro.Acalma-me saber que, por muita gente que exista neste momento por este mundo fora ninguém está a produzir qualquer outro som para além destes dois.
Alguém ainda se lembra da figura materna vir ao nosso encontro com uma concha na mão, afirmando que o som das ondas estava lá dentro?Conservado em âmbar sonoro aparentemente...
Mais velhos, lá nos explicam que tem a ver com a configuração da concha ou uma merda qualquer do género.
Ganha-se a informação.Perde-se a magia daquele momento.
Entre as duas prefiro a magia.Quanto mais velho, mais noto isso. Que se lixe a explicação científica.Isso não contribui para aquele pequeno momento de felicidade, guardado no esquecimento na proporção em que a concha ganha pó num qualquer sotão familiar.
Sinto-me neste momento livre como não consigo expressar dignamente por palavras. Os sentimentos bons ou maus estão todos arrumadinhos em gavetas no peito.
No liceu, baralhava-me com o ventrículo e a aurícula. Para mim o coração era -e é- um imenso armário.Com estantes para as roupas de verão e de inverno.
Emoções que vão alternando com a passagem das estações.
(por falar nisso, quando é que um amigo com quem não trocamos uma palavra há uns cinco anos se torna em eterna roupa de inverno a guardar?)
Enquanto debito linhas, vou ouvindo canções que me foram marcando a adolescência: Nirvana, Alice in Chains, Meat Puppets.
Ocorre-me agora que não são criaturas com músicas propriamente alegres.Mas para mim são sinceras.
Enquanto tento decidir que música vou deixar, lembro-me dessa terrível condição que é a crise de meia idade.Tudo a querer comprar carros de corrida para arrastar pelas ruas esburacadas de uma cidade. Bonita imagem essa, a de um suplemento vitamínico com cem cavalos que não consegue compensar as rachas que a tristeza dos anos vai deixando no espírito.
Engravidar a primeira loura de vinte anos que lhes cruza a vista, com o desepero de salmões a trepar o riacho em direcção ao lar da terceira idade e consequente esquecimento pelos demais.
Não me assusta o ponteiro a registar o meio do dia. Não me dá para ir ver preços de carros.
Dá-me só para a insónia e para debitar palavras.
Já escolhi a música que quero deixar agora.
Chorei quando a ouvi da primeira vez, quando muita gente dizia que isto não passava de um pedido de desculpas esfarrapado de um gajo com tudo na mão.
Acaba por ser verdade.Mas quando me sinto mais triste, o mp3 tem a gentileza de encontrar este abracinho.
São agora duas e quarenta da manhã.

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